O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, agosto 19, 2016

"mas onde está a sacerdotisa se ainda não está a mulher?"

É PRECISO DISTINGUIR O TRIGO DO JOIO

Há pelo menos 48 a 50 Grupos de mulheres "MULHERES CORRENDO COM OS LOBOS" no Facebook...Há centenas de páginas e de grupos do "feminino sagrado" e dezenas de mulheres a fazer Workshops sobre a Deusa...a fazer festivais e festas, danças  e rodas...
Há dois livros de referência máxima: este que cito, da Clarissa Pinkola Esteés e as Brumas de Avalon de Marion Zimler Bradley.

A grande maioria dessas leitoras e protagonistas desses grupos, como é óbvio, são muito jovens, entre a casa do 30 a 40, pouco mais ...ou mesmo mais novas. As mais velhas, diz-se "têm mais juízo",  não será o meu caso...até porque pertencem a uma geração que nada se relaciona com o Sagrado nem com Deusas...as mulheres da minha geração (anos 60/70) são conservadoras ou feministas de esquerda.

LI AS BRUMAS DE AVALON ENTRE  1984 a 1990 e chorei e senti a urgência de um resgate do verdadeiro feminino e mais tarde quando comecei a escrever e publiquei o meu primeiro livro de poemas sobre a Deusa em mim - muitas destas mulheres ainda não eram nascidas ou teriam no máximo 10 a 15  anos -  e vislumbrava a Magia do Sagrado Feminino, fui olhada de soslaio e desacreditada até pelas amigas que se riam de mim. ou ridicularizada pelas mais intelectuais. Com o Blog Mulheres & Deusas em 2001 comecei esta luta de trazer informação fidedigna para esse universo apelando a uma Nova Consciência do Ser Mulher. Não havia mulheres em Portugal interessadas ou sequer abertas para a temática e apenas alguns ecos e apoio que me vinham do Brasil. Sei que tal como estas escritoras havia mais mulheres escritoras e pioneiras da Busca da Deusa e de um novo feminismo e que escreveram livros magníficos.
Durante mais de 20 anos pouco ou nada aconteceu nesse domínio e de repente nesta ultima década, deu-se
 um inflacionamento do "feminino sagrado" que invadiu os mercados e todas as mulheres que leram esses livros e mais meia dúzia de livros sobre o tema, ou mesmo nenhum, sentem-se inspiradas e arranjam uma casinha de madeira perto de um lago, vestem uns vestidos coloridas e saias comprimidas e tornam-se sacerdotisas da Deusa... Outras julgam-se mestras e criam grupos de discípulas sem nenhum caminho andado, e ainda mais ignorantes do que elas seguem-nas mulheres dependentes e imaturas, submissas e deslumbradas, sem capacidade de discernimento nem pensamento próprio, sem nenhuma experiência de vida! 

Penso se isso foi bom ou mau...
 Por um lado é o tempo das mulheres se abrirem e se manifestarem no seu potencial de deusas e resgatarem o seu feminino ancestral, o seu lado instintivo, a sua intuição, mas por outro corremos o risco de inverter as situações; é verdade e eu devia ficar exultante, mas o drama é que poucas ou nenhuma dessas mulheres tem qualquer consciência psicológica do Ser Mulher em si ou  da mulher inteira, integrada  e vive dividida não só na sua pele como na pele das muitas deusas e apenas andam a volta dos "mistérios" do sangue e do útero ou decoram a ordem dos ciclos mas sem irem ao fundo do seu próprio psiquismo como mulheres, sem fazer qualquer trabalho profundo consigo mesmas, sem saber nada do Sistema que as aprisiona durante séculos nem como tudo aconteceu...
"mas onde está a sacerdotisa se ainda não está a mulher?" perguntava há pouco uma amiga...

E eu dizia-lhe, sim,  usa-se agora felizmente muito mais a intuição mas nega-se em contrapartida o saber adquirido...a aprendizagem deste mundo, tudo o que sofremos e tudo o que conquistamos...é desperdiçados e caímos no erro de voltar a uma certa instintividade. 

" Infelizmente agora usa-se mais a intuição! Até a intuição deve estar subordinada ao saber adquirido e ao bom-senso, basta fazer uma viagem ao passado e ver quantas vezes a intuição esteve equivocada e os resultados subsequentes. Sonhos, visões, intuições, vozes divinas e angelicais serviram de validação a grandes barbáries da História." ananda k. lila


Sim, eu podia pensar que tudo isto é válido só por si e sinal de grande avanço para as mulheres sabendo que todo o esforço é benéfico, mas sei, tal como a minha amiga diz, dos retrocessos e dos enganos, por isso não creio que, regar geral, todo este movimento das deusas seja um avanço adquirido, porque é preciso primeiro ser-se consciente de si e dos enganos e ardis que acompanham estas descobertas, assim como o oportunismo que leva tanta gente a aproveitar-se economicamente da ignorância e ânsia de saber das mulheres...
Não, não só os homens exploram as mulheres; também as mulheres se servem das outras para se afirmarem como detentoras de algum poder. E ninguém pode ter poder sobre ninguém entre as mulheres. Nenhuma mulher se pode arvorar em guia, sábia ou à frente de outra...somos todas irmãs, apenas umas mais conscientes que outras, de certo através das idades, mas isso só nos pode valer em perfeita irmandade e respeito pelas diferenças...
Por isso é preciso distinguir o trigo do joio - é preciso ler e estudar e saber de si, interiorizar e fazer introspecção, é preciso ir às fontes se possível do Conhecimento ancestral... não basta decorar ou papaguear as coisas ou ir viver no campo com as galinhas e fazer um altar à deusa. Não, para isso é preciso antes de tudo ser-se MULHER .
rlp

Nesta altura e neste tempo há de tudo, mas muita loucura, exibicionismo e oportunismo e muita alienação de si como mulheres mas também  há muitas mulheres lúcidas que vão discernindo e que fazem a diferença ...como por exemplo a autora deste excerto:

"Rodas de sagrado feminino estão acontecendo em cada esquina e há muitos grupos na busca de se conectar e honrar o feminino, a linhagem feminina ancestral, reconhecer as mulheres que a precederam fazendo as pazes e abrindo caminhos para que cada uma possa simplesmente ser.
Entretanto há ao mesmo tempo muitas distorções perigosas que em vez de gerar bem estar e liberdade, podem aprisionar e dar continuidade à certos tipos de opressões de recaem de mulheres sobre mulheres. É preciso antes de tudo saber o que se pretende e o que se imagina que seja o Sagrado Feminino. Ou apenas criamos mais um grupo de fantasiosas místicas que se acham  especiais por serem mulheres, mais especiais do que os homens, e ainda pior, podemos criar regras, dogmas onde algumas mulheres se identificam, se encaixam e outras não. Ou seja, algumas são sagradas e outras…nem tanto. Mas mesmo assim em algum momento todas irão fazer reverências às suas ancestrais, mesmo que elas tenham em suas histórias características que não as façam assim tão “sagradas”. E mesmo que uma mulher desta roda não tenha verdadeira honra por suas ancestrais devido à traumas e mágoas de verdadeiro sofrimento nas mãos delas, farão o gesto de reverência, pois caso não perdoem ou honrem suas ancestrais estão fugindo ao sagrado feminino, não são dóceis e amáveis de flores no cabelo como se espera do arquétipo feminino, diga-se de passagem – distorcido.
Ritualizar abre portas para o lúdico, para a criatividade e principalmente para a intenção de encontro com que é sagrado, com o que é divino. O ritual pode ser o fio condutor de uma experiência pra dentro que pode revelar tesouros. Mas um ritual também pode ser destrutivo quando mulheres buscam sua identidade pela comparação com as outras e não aprendem na viagem interior a encontrar a identidade própria, os valores próprios e a partir daí se mover pelo coração. Elas podem se comparar sobre a forma de como é a intuição, umas tem visões, outras, sensibilidade aguçada e as percepções do rito podem causar um sentimento de não pertencimento. Mas para além disso, elas podem ficar presas nestas formas, deslumbradas e envaidecidas com os próprios insights e não se darem conta do que realmente interessa , que é justamente como esta experiência afeta sua atuação no mundo." *
Excerto de texto de Espaço Matri Gaia    

* de Adriana Tanese Nogueira        

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