O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, abril 25, 2016

25 de ABRIL...


ERA "PROIBIDO!
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Casar com uma professora

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Se uma coisa era proibida à mulher, à diferença do homem, antes de 1974, o trabalho não o era com certeza, embora a mulher casada só pudesse ter emprego com autorização do marido, o chefe de família, que, em qualquer momento, podia chegar junto do empregador da sua mulher e dizer-lhe:     «- Despeça-ma, se faz favor».
A Nação de Salazar não podia, por muito que lhe apetecesse, prescindir da mão-de-obra feminina, mais que não fosse por pressão dos empregadores, que necessitavam de braços mais baratos, e da realidade - mais um ordenado em casa, por pequeno que fosse, e era, significava não ter de optar entre comer e pagar a renda de casa.
[...]
Na Europa, a Mulher começava já a ganhar direito à independência económica, depois de vários anos de igual iniquidade, mas Portugal, aonde isto de direitos chegava com mais atraso do que a televisão a cores, via apenas com interesse a mulher trabalhadora prolongar a sua função maternal de cuidadora enquanto mestra se escola, ou enfermeira. Tratar dos nossos filhos, dos nossos velinhos, dos nossos doentes - a nobre missão.
E o Estado Novo, ciumento, se era forçado pelo correr dos tempos a abrir mão das suas donas-de-casa, enviando-as para o trabalho docente, tudo fez para que, pelo menos, se mantivessem donzelas. As mestras tinham a sua vida sentimental vigiada pela família dos alunos, pelo pároco da terra, pelo regedor de freguesia, pelo ministério e pela lei, que as proibia até de usar maquilhagem.
Preferencialmente deveriam ficar solteiras, casadas com o magistério primário e encarar o ensino como missão, a escola primária como convento. Mas se, apaixonadas, enveredassem pelo matrimónio, estavam proibidas de se casarem com homem que não tivesse meios financeiros superiores ao seu ordenado de mestre-escola.
O casamento de uma professora tinha de ser autorizado pelo Governo e os noivos, os homens, eram obrigados a apresentar dois atestados: um de bom comportamento moral e cívico e outro em como o futuro marido da professora auferia um ordenado superior ao da mulher, ou possuia meios suficientes para a sustentar, dispensando os rendimentos da professora. Caso contrário, o casório era proibido.
Esta norma só foi revogada depois do 25 de Abril, pela Constituição de 1976 e pelo decreto-lei 474, de 16 de Junho do mesmo ano.
O mesmo direito pôs fim também ao direito do marido de violar a correspondência da mulher, que foi lei em Portugal durante 90 anos consecutivos, a partir do parágrafo 1.º do artigo 461 do Código Penal de 1886. Mais extraordinário, porém, é o facto de se ter mantido em vigor até 27 de Maio de 1975, o artigo 372 do mesmo código que permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério ( e a filha em flagrante corrupção), sofrendo apenas o desterro de seis meses para fora da comarca. Esta atenuante extraordinária só era extensiva à mulher se a amante fosse por ele «teúda e mantéuda» na casa conjugal.
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António Costa Santos, "Proibido!" (2007)

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