O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, setembro 25, 2015

A MULHER COMO UM PRODUTO DE CONSUMO


 

 A “esquizofrenia feminina”

 As mulheres têm um relacionamento dual com a economia de mercado. Elas são ao mesmo tempo consumidoras e consumidas. Como donas de casa, elas são consumidoras de bens domésticos comprados com dinheiro que não pertence a elas, porque não foi “ganho” por elas. Isso deve dar a elas uma certa quantidade de poder de consumo, mas muito pouco poder sobre qualquer aspecto de suas vidas. Como jovens e heterossexuais solteiras, as mulheres consomem bens feitos para dar um alto preço no mercado do casamento. Como qualquer outra coisa como lésbica, ou como solteira em idade avançada, ou como mulher auto-suficiente com “carreira”, o relacionamento das mulheres com o mercado enquanto consumidoras não é tão bem definido. Se espera que elas comprem (e quanto melhor sua situação, mais se espera que elas comprem), mas para algumas categorias de mulheres, comprar não é definido primordialmente como o papel que uma mulher deve desempenhar. Então o que mais é novidade? Não é a ideia da mulher como consumidora passiva, manipulada pela Mídias e que se envolve com homens viscosos um clichê exagerado do movimento? Bem, sim e não. Uma análise situacionista amarra o consumo de bens económicos ao consumo de bens ideológicos, e então, nos diz para criarmos situações (acções de guerrilha em diversos níveis) que quebrem esse padrão de aceitação social do mundo como ele é. Sem acusações; não vou criticar mulheres que “compraram” a perspectiva de consumidora. Para aquelas que realmente compraram: isso foi vendido a elas como um meio de sobrevivência desde os primeiros momentos de suas vidas. Compre isso: Tornará você bonita e adorável. Compre isso: Vai deixar sua família mais saudável. Está deprimida? Se trate com um dia no salão de beleza ou com um novo vestido! A culpa leva à inacção. Somente a acção, para reinventar a vida cotidiana e torná-la outra coisa, mudará as relações sociais.

O Presente
Pensando que ela era um presente
Eles começaram a empacotá-la antes do tempo.
Eles poliram o seu sorriso
Eles abaixaram os seus olhos
Eles colaram as  suas orelhas ao telefone

eles fizeram ondas em seus cabelos
eles endireitaram os seus dentes
eles a ensinaram a enterrar seus desejos
eles derramaram mel pela sua goela abaixo
eles a fizeram dizer sim, sim e sim
eles a deixaram imobilizada

Aquela caixa tem meu nome, disse o homem. É para mim.
E eles não ficaram surpreendidos.

Enquanto eles me davam beijinhos e me piscavam os olhos ele me levou para casa.
Colocou-me  na mesa onde os seus amigos podiam observar-me  dizendo dance,

Dizendo, dance,  mais rápido.

Ele a afundou para longe da saída e cravou o nome dele mais fundo.

Depois ele a colocou numa plataforma debaixo dos holofotes dizendo vai,
Dizendo, vai,  mais forte
dizendo assim que eu queria
você me deu um filho.

Carole Oles

[Carole Oles, “The Gift”, na 13° Lua, II: 1, 1974, p. 39.]

 
 As mulheres não são apenas consumidoras na economia de mercado; elas são consumidas como mercadoria. É disso que fala o poema de Oles, e isso é o que Tax chamou de “esquizofrenia feminina”. Tax constrói um monólogo interior para a dona-de-casa-mercadoria:

“Não sou nada quando estou sozinha comigo mesma. Em mim mesma, não sou nada. Só sei que existo se sou desejada por alguém que é real, meu marido, e pelos meus filhos”.

[Meredith Tax, “Woman and Her Mind: The Story of Everyday Life”, Boston: Bread and Roses Publication, 1970.]

Quando as feministas descrevem a socialização nos papéis sexuais de mulher, quando elas apontam as características que garotas são ensinadas a ter (dependência emocional, infantilidade, timidez, preocupação em ser bonita, docilidade, passividade e assim vai), elas estão falando da fabricação cuidadosa de um produto apesar de não se chamar assim normalmente. Quando elas descrevem a opressão da objetificação sexual, ou de viver em família nuclear, ou de ser uma Supermãe, ou de ser trabalhadora precarizada, subempregos com baixo salário que são ocupados maioritariamente por mulheres, elas também estão descrevendo a mulher enquanto mercadoria. As mulheres são consumidas por homens que as tratam como objectos sexuais; são consumidas por seus filhos (que elas mesmas produziram!) quando eles compram o papel da Supermãe; são consumidas por maridos autoritários que esperam que elas sejam servas submissas; e elas são consumidas por patrões que as mantém instáveis na força de trabalho activa e que extraem o máximo trabalho pelo menor salário. Elas são consumidas por pesquisadores médicos que experimentam nelas novos e inseguros contraceptivos. São consumidas por homens que compram seus corpos nas ruas. São consumidas pelo Estado e pela Igreja, que esperam que proliferem a próxima geração pela glória de deus e do país; são consumidas por organizações políticas e sociais que esperam que elas “voluntariem” seu tempo e energia. Elas tem pouca noção de si mesmas porque sua pessoa enquanto identidade foi vendida para os outros.

(Carol Ehrlich, Socialismo, Anarquismo e Feminismo)

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