O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, agosto 25, 2014

AS RAPARIGAS DE HOJE...E DE ONTEM...

O PAÍS DA RAPARIGA BREVE

De Portugal diz-se normalmente que é o país mais antigo, ou um dos mais antigos, do mundo ou pelo menos da Europa. Ele é o país da Anciã, da velha Deusa Cale, Beira, Calaica, uma Velha muito velha, mais antiga que o tempo, e muito sábia porque a sua longuíssima, eterna, vida lhe ensinou tudo o que havia para aprender e sobretudo lhe permitiu viver tudo o que havia para viver, todo o sucesso e toda a derrota, todos os ganhos e todas as perdas, todas as ilusões e desilusões, todas as mortes e renascimentos. Vezes sem conta. Estão a ver a Velha matreira, picante, das histórias populares, a que muda de forma, a sem forma, a que rola encosta abaixo dentro duma cabaça? É Ela, Aquela que coloca desafios e apresenta enigmas insondáveis que fazem perder a pose e a compostura e ter consciência das nossas humanas limitações e ralações, A que foi transformada na Bruxa Má (Bruxa tudo bem, mas “Má” já é simplória desinformação da propaganda patriarcal). Muito sábia e capaz do amor maior e da maior compaixão, pode perceber-se a Sua maravilhosa energia numa Grande Avó que fosse livre e tivesse real poder.

Apesar disso, neste país tão antigo é confrangedor ver o modo como as pessoas se tornaram descartáveis. Todas poderosas na sua juventude, vão paulatinamente perdendo viço e colorido, exuberância e visibilidade, voz e poder à medida que o tempo vai passando. O que viveram e experienciaram não conta mais para nada.

Este tornou-se o país da rapariga, que em vez de sábia é “sabida”, ou arrogante, e sumamente ambiciosa. A sua arrogância e ambição crescem na exacta proporção da sua confrangedora ignorância e falta de mundo. Mas sabe de computadores, de aipades, aipedes e aipodes e telemóveis de última geração e conhece o jargão que permite manter o contacto sem ter de basicamente dizer nada de relevante e muito menos de novo e de pensado. Sabe de celebridades, de marcas, de moda e decoração e fez longos estágios no shopingue. Tudo coisas que a sua mãe desconhecia quando tinha a sua idade, o que lhe dá sobre ela um vertiginoso ascendente. À mãe resta agora a hipertensão, o colesterol e a diabetes, se tiver sorte, e as novelas, que já não são apenas brasileiras, mas sobretudo um glorioso produto nacional de última geração.

Isto não é um exclusivo nem nacional nem das raparigas, óbvio (veja-se o fenómeno futebol) e parece que é o resultado da tal era tecnológica ou tecnocrática em que a técnica e o técnico de informática são quem reunirá as melhores condições para formar governo.

É também o tal culto da juventude. Está tudo ligado, óbvio, e tudo pensado na óptica do mercado, e a situação parece complicar-se dado o poder crescente de que gozam as crianças desde o berço, como se duma forma inesperada e sumamente perversa tivéssemos alcançado já a tal Idade do Espírito Santo, aquela utopia do Joaquim de Fiore em que a imperadora ou o imperador serão… uma criança…

Este estado das coisas, se não é criado por, é pelo menos mantido, entretido e entretecido pela televisão omnipresente. Não existe neste país espaço urbanizado onde se esteja a salvo da estridência duma tvi, com vários ecrãs se for preciso num mesmo espaço. Ora, em tempos e lugares assim não precisamos de ter vida própria, que dá muita chatice, é um enorme gasto de meios, comporta inúmeros perigos e não oferece nenhuma garantia de sucesso, nem dela nunca sairemos viv@s, como se sabe. Basta vê-la na televisão. 

De resto que espécie de vida poderia competir com a excitação, a frescura e o glamur da que aparece nos ecrãs da televisão, devidamente condimentada com doses massivas da adrenalina do crime passional ou dos gangues dos shopingues? Não senhora, podemos viver perfeitamente nas novelas que se sucedem pelo dia fora, e essas sim com gente a sério, viva, jovem e de última geração, lembrando aqueles insectos duma beleza estonteante que subitamente e apenas por um brevíssimo instante eclodem em toda a sua glória à luz do dia.

Se espreitarmos por um bocadinho que seja esses dramas da juventude das novelas, entretanto, como já me aconteceu, havemos de constatar incrédulas que são os mesmíssimos dos respectivos progenitores só que em cenários ligeiramente diferentes, mais modernizados pelos estilo ikeia.

E porque os aipades, aipedes e aipodes não têm como explicar as armadilhas onde vão perder a pose e o brilho, as raparigas vão sendo substituídas por outras cada vez mais novas e mais arrogantes e engrossar o lote das mulheres transparentes, hipervulneráveis, serviçais, desautorizadas e resignadas, que suspirando e desculpando-se com os picos da tensão e diabetes se recostam nos sofás da casa deleitando-se com a vida das raparigas das novelas como quem se refastela com os restos dum banquete do qual se foi inexplicavelmente, mas também não faz mal, banid@...

Luiza Frazão
 

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