O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, junho 02, 2014

"Else Lasker-Shüler (1869-1945)

 
 
Else Lasker-Schüler


"Else Lasker-Shüler (1869-1945) é uma figura enigmática e única, no contexto das primeiras décadas do século XX e da poesia alemã do chamado 'Expressionismo', onde claramente não cabe. Desde os primeiros anos do século, quando, depois de um casamento burguês de pouca dura, começa a frequentar os meios da boémia berlinense (onde, com pouquíssimas exceções, só vai encontrar homens), até aos variados exílios, na Suíça e finalmente na Palestina (entre 1939 e 1945), o 'cisne negro de Israel', como lhe chamou Karl Kraus, é uma lenda da simbiose judaico-alemã que ela própria pretende encarnar, 'criatura de sonhos' e 'aparição' saída de mundos de fantasia para os quais arrasta por vezes alguns artistas e escritores, mais ou menos conhecidos, desses anos áureos do que podemos ver como o Modernismo alemão, entre 1910 e 1920 (entre outros, Franz Marc, o 'Cavaleiro Azul' e Ruben de Caná, Gottfried Benn, a quem chamava 'Giselheer, o Bárbaro', Karl Kraus, o 'Dalai-Lama', Georg Trakl). Estranheza, exotismo, fantasia sem limites e alguma ponta de loucura poderão ajudar a dar perfil a uma mulher que, oriunda de uma família de judeus assimilados e marcada por dois casamentos breves, cedo escolhe um caminho que a levará a inventar mundos próprios, alimentados pelas visões de um 'Oriente de Deus' - judeu, árabe, egípcio, oriental sem mais - que não tem paralelo em nenhum outro poeta da época. A inventar mundos e a assumir máscaras várias: Jussuf (José), príncipe de Tebas, Tino, princesa de Bagdad, Robinson, o índio 'Jaguar Azul'... A 'autobiografia' que fornece em 1919 ao organizador da mais célebre antologia de poesia do Expressionismo ('Menscheitsdämmerung'/ 'Aurora da Humanidade', de Kurt Pinthus) é sintomática da indistinção entre lenda e vida que marcará a existência e a obra de Else Lasker-Schüler: 'Nasci em Tebas (Egito), embora tenha visto a luz do mundo em Elberfeld, na Renânia. Fui à escola até aos onze anos, tornei-me Robinson, vivi cinco anos no Oriente, e desde então vegeto.'"

João Barrento, na apresentação do livro 'Baladas Hebraicas'


Despedida

Mas tu nunca vinhas com a noite –
E eu sentada com casaco de estrelas.

Quando batiam à porta
Era o meu próprio coração.

Agora pendurado em todas as ombreiras,
Também na tua porta;

Entre touros rosa de fogo a extinguir se
No castanho da grinalda.

Tingi te o céu cor de amora
Com o sangue do meu coração.

Mas tu nunca vinhas com a noite
E eu de pé com sapatos dourados.

(um poema da autora)

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