O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, julho 25, 2013

UMA VERDADE INSOFISMÁVEL



Laclos no seu discurso considera que:

«não há forma nenhuma de aperfeiçoar a educação feminina porque a sociedade transforma a mulher em escrava e os escravos não se educam, revoltam-se.»

A MULHER NATURAL

Ó mulheres, aproximai-vos e ouvi-me.
Que a vossa curiosidade, uma vez dirigida para objectos úteis, contemple as vantagens que a natureza vos deu e a sociedade vos tirou. Vinde aprender como, nascidas companheiras do homem, vos tornastes suas escravas; como, caídas neste estado abjecto, chegaste-lhes a tomar-lhe o gosto, a considerá-lo o vosso estado natural; como, finalmente, cada vez mais degradadas por um longo hábito de escravatura, preferistes os seus vícios aviltantes, mas cómodos, às virtudes mais penosas de um ser livre e respeitável. Se este quadro fielmente traçado vos deixar frias, se podeis considerá-lo sem emoção, voltai às vossas ocupações fúteis. O MAL NÃO TEM REMÉDIO, OS VÍCIOS TRANSFORMAM_SE EM COSTUMES. Mas se, perante o relato das vossas infelicidades e das vossas perdas, ficardes com as faces rubras de vergonha e de cólera, se lágrimas de indignação se soltarem dos vossos olhos, se estiverdes consumidas pelo nobre desejo de reaver as vossas prerrogativas, de reassumir a plenitude do vosso ser, de não vos deixardes mais iludir por promessas enganadoras,

NÃO ESPEREIS SOCORRO DOS HOMENS, autores dos vossos males: eles não têm nem a vontade, nem o poder de lhes pôr cobro, e como poderiam querer formar mulheres diante das quais seriam forçados a corar? Sabei que só se escapa à escravatura com uma grande revolução. Será esta revolução possível? Só vós o podereis dizer, uma vez que ela depende da coragem que provavelmente tereis. A este respeito, não digo nada; mas até ela chegar, e enquanto forem os homens a reger o vosso destino, estarei autorizado a afirmar, e ser-me-á fácil provar que não há nenhum meio de aperfeiçoar a educação das mulheres.
Onde existe escravatura, não pode haver educação: em todas as sociedades as mulheres são escravas; portanto, a mulher social não é susceptível de educação. Se as premissas deste silogismo forem provadas, não poderemos negar a conclusão. Ora, que onde não há escravatura não pode existir educação é uma consequencia natural da definição desta palavra; o próprio da educação é desenvolver as faculdades, o próprio da escravatura é abafá-las; o próprio da educaç~so é orientar faculdades desenvolvidas para utilidade social, o próprio da escravatura é tornar o escravo inimigo da sociedade.

Este texto que vós acabaste de ler, é de um homem, de seu nome: Pierre-Ambroise Choderlos de Laclos, oficial de carreira do exército francês.
As palavras acima que transcrevi do livro, foram escritas em Março de 1783, quando Laclos decidiu participar num concurso organizado pela academia de Châlons-sur-Marne. A pergunta a ser feita e a qual Laclos teria de responder: « Quais os melhores meios de aperfeiçoar a educação das mulheres?» Respondeu-a, o que levou a que todos tivessem ficado chocados. Contudo, Laclos, por ter ficado particularmente interessado no assunto, no ano seguinte, resolveu escrever um ensaio sobre a Mulher Natural. O texto, só foi publicado em 1903, quer dizer pouco mais de 100 anos depois.

Teresa Sousa de Almeida que escreveu o prefácio do livro, «Da Educação das Mulheres» diz que: « Tanto o discurso como o ensaio tentam pensar a situação da mulher, mas equacionam simultaneamente impossibilidade desse mesmo pensamento: o primeiro debate-se com a recusa de encontrar uma solução não revolucionária e o segundo é uma espécie de utopia situada num passado mítico. Nesse sentido, representam uma das visões mais originais que o Iluminismo ofereceu.

Laclos não foi, pois, original ao preocupar-se com a educação das mulheres. Contudo, a sua resposta é revolucionária...laclos no seu discurso considera que: « não há forma nenhuma de aperfeiçoar a educação feminina porque a sociedade transforma a mulher em escrava e os escravos não se educam, revoltam-se. »
Parafraseando Rousseau, cujo pensamento misógino subverte, LACLOS, dirige-se directamente às mulheres devolvendo-lhes a responsabilidade pelo seu próprio destino e afirmando muito claramente que não poderiam esperar qualquer ajuda por parte do género masculino: « não espereis o socorro dos homens. autores dos vossos males: eles não têm nem a vontade, nem o poder de lhes pôr cobro...»
Se só as mulheres podem libertar as mulheres, o que é que o um homem pode fazer? Calar-se? Esperar que as mulheres se revoltem? Denunciar sua escravidão? Demonstrar que a sociedade não concede nenhum espaço de autonomia ao género feminino?

No segundo ensaio deste livro que estou apresentando, laclos, «Trata de denunciar, por um lado, a degeneração de uma sociedade responsável pela escravidão das mulheres, contrapondo-lhe a imagem alternativa de uma mulher liberta de constrangimentos sociais. Como afirma Paul Hoffmann, a MULHER NATURAL não é um mito como o tinha sido o homem natural criado por Rousseau, mas uma espécie de modelo normativo que se transforma num desafio ao género feminino.

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O Livro Da Educação das Mulheres foi escrito em 1783

SOFISMAR: Enganar ou lograr através de sofismas; encobrir com razões falsas.
Destorcer um assunto, dar aparências de verdade ao que é falso.

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