O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, setembro 18, 2007

vive la france...

(Esta não é a capa referida mas não deixa de ser ilustrativa...)

"Le Nouvel Observateur" de 16 de Agosto mostrava uma mulher em tronco nu – uma mulher jovem, sensual, com os braços erguidos, tocando no cabelo, com uma rosa numa das mãos. Tratava-se de uma fotografia a preto e branco, com ar de ter sido extraída de uma colecção de imagens eróticas dos anos 20 do século passado. Sobre esta jovem – abaixo dos seios, evidentemente – o título:

"Les Philosophes et les Femmes".
Uma capa de revista dedicada ao tema "Os filósofos e os homens" seria impensável. Em primeiro lugar porque, para que a expressão "os homens" se cinja ao sexo masculino é necessário que "as mulheres" sejam mencionadas na mesma frase. Quando não, "os homens" representam, em absoluto e por grosso, a humanidade. Em segundo lugar, "os filósofos" são uma parte de "os homens", pelo que a afirmação seria considerada, se não ridícula, pelo menos redundante. E ainda que, num momento de loucura, desespero ou de inspiração absoluta (...), se um editor decidisse fazer um dossiê sobre aquilo que os homens-filósofos disseram dos outros homens... certamente não lhe ocorreria pôr na capa um jovem nu, de braços erguidos e olhos em alvo. Mesmo que fosse a preto e branco – quando se pretende conferir seriedade a um chamariz sexual, usa-se o preto e branco; um par de mamocas "retro", num "dégradé" de cinza, é coisa culta, que nenhum intelectual de esquerda terá vergonha de exibir debaixo do braço. Porque o "Nouvel Obs." é, como se sabe, uma revista de esquerda. E a esquerda, como se sabe, detesta o machismo e a misoginia – quando se lhes refere, em particular em França, é só para os "desconstruir". Já Ségolène Royal fora, em plena campanha eleitoral, devidamente "desconstruída" por uma capa do "Nouvel Obs." em que se anunciava: "Cem mulheres julgam Ségolène." Nunca dedicaram atenção semelhante a Sarkozy, que pôde chegar à Presidência da República francesa sem passar pelo julgamento popular de cem homens. Curiosamente, Ségolène surge logo no segundo parágrafo do texto introdutório do douto dossiê. Escrevem as articulistas (Aude Lancelin e Marie Lemonnier, duas mulheres, por conseguinte seres pouco filosóficos) que o francês contemporâneo se encontra "abatido pelas reivindicações paritárias e pelo sorriso ainda insistente de Ségolène Royal". (...)

Ah, a reputação, esse mistério da feminilidade...

Quanto ao dossiê filosófico propriamente dito, pouco mais é do que uma salada de citações ressentidas, mais velhas do que as comemorações da morte de Elvis Presley, de "A mulher é um macho abortado" (Aristóteles) ao famoso "Se fores ver a mulher, leva o chicote" (Nietzsche) ou à freudiana interrogação: "Afinal, o que é que elas querem?". Imagino os fantasmas destes martirizados cavalheiros erguendo-se em uníssono numa manifestação ( ...)
Hannah Arendt é a única filósofa considerada – e mesmo essa, sobretudo pela negativa:
(...)Simone de Beauvoir reduz-se à enunciação feminista – e Maria Zambrano ou Simone Weil continuam a não existir. Seria interessante analisar porque é que, no século XXI, se prefere repetir citações discriminatórias de séculos passados, em vez de reflectir sobre as causas do persistente apagamento das mulheres filósofas – dado que, como afirma Frédéric Pagès (autor do estimulante "Philosopher ou l'Art de Clouer le Bec aux Femmes" (Filosofar ou a Arte de Calar o Bico às Mulheres), edição Mille et Une Nuits):

"A filosofia é uma forma de reprodução entre homens, evitando a matriz feminina, por fascinação mútua, de geração em geração. Falta inventar uma filosofia que não corte a palavra a ninguém, que convide finalmente as mulheres para o banquete – que será então muito mais rico do que este 'buffet' seco e frio que propõe o clube de fumadores de charutos da Sorbonne." Falta, sobretudo, ler o que elas escreveram e escrevem – a sós, e sem "buffet".
Inês Pedrosa in expresso

2 comentários:

Anónimo disse...

Talvez, um dia , no passado (ou no futuro...)o homem tenha de viver (ou viveu) num mundo tão feminino que simplesmente ele deveria se sentir igualmente perdido, sem ter como escoar a sua agressividade natural, a sua força, a sua fúria de caçador... sem ter de competir com outros machos, sem ter de aceitar a autoridade dos vencedores, sem ter de humilhar os vencidos...
Nesse mundo feminino... eles vão se sentir estranhos... e nos diremos então... mas afinal o que querem os homens?...rs...
Só um comentário leve no tema, que não é tão leve assim...
É que ainda há tanto por fazer, que as vezes eu preciso parar e suspirar... e sonhar com um mundo feminino assim, pleno...

Anónimo disse...

O pior espetáculo do Patriarcado é realmente este onde as mulheres lutam contra as mulheres... enquanto eles riem e dão baforadas no seu charuto...
Só a conscientização da própria mulher de si mesma e de sua feminilidade e da outra mulher, sua irmã... só quando as mulheres se reencontrarem numa fraternidade, mães e filhas, sogras e noras, esposas e amantes, patroas e empregadas, ou seja, qdo agirmos politicamente(num sentido amplo, apartidário) em todos os setores da vida, privada ou social, a favor da mulher, só assim mudaremos qualquer coisa... só com muito amor e muita luz, pra curar as feridas de todas nós treinadas na competição umas com as outras... com a crítica seja a roupa, as rugas, seja o que for...
Nunca será o homem a fazer essa mudança, essa mudança é feita por nós, mulheres, e é através do amor... não vejo outro caminho...
Que a Deusa nos ensine a amar mais as nossas amigas e irmãs... e assim, a mulher vai ser livre na sua fraternidade, na lealdade feminina... e eu espero viver isso um dia de forma mais concreta do que vivo hoje...
Por isso seu trabalho é muito importante RosaLeonor... foi vc que me ajudou a abrir a minha consciência para esse lado, e há muitas mulheres por aí, querendo essa conscientização mas não sabem... Um beijo doce...