O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, março 22, 2007

A PERDA DE CONEXÃO COM A VIDA


“Na verdade, muito do que Inana simbolizava para os sumérios foi exilado desde aquela época: muitas das qualidades ostentadas pelas deusas do mundo superior foram dessacralizadas no Ocidente, assumidas por divindades masculinas, (...) É por isso que a maioria das deusas gregas foram engolidas pelos pais e a deusa hebraica foi despotenciada. Restam-nas apenas deusas minimizadas ou restritas apenas a determinados aspectos. E muitos dos poderes antes apresentados pela Deusa perderam a conexão com a vida da mulher: o feminino apaixonadamente erótico e lúdico; o feminino multifacetado dotado de vontade própria, ambicioso, real.” *

A Mulher dominada, sem vontade própria, sujeita à vontade do homem durante séculos, ainda hoje não se alçou dessa subordinação de forma consciente e lúcida e mantém inconscientemente a mesma sujeição às autoridades vigentes dentro da ordem patriarcal, sejam elas quais forem, e ainda que se julgue na aparência “moderna” e liberta, insere-se na sociedade machista muitas vezes ou apenas mascarada de uma FALSA integração social e política, usando o discurso masculino e os seus valores de dominação, não passando de mero objecto de manipulação política por parte dos chefes e os seus problemas, como o é no caso da despenalização do aborto, a legalização da prostituição ou outro qualquer.

A nossa premência como mulheres devia ser descortinar para lá dos conceitos banalizados da "condição da mulher" e saber realmente a que corresponde a nossa verdadeira natureza, a nossa sensibilidade, mas em termos mais profundos, ontológicos. Em suma, a destrinçar a diferença real entre um e outro sexo independentemente das funções atribuidas pela sociedade patriarcal a cada um dos sexos. Era isso que era importante as mulheres perceberem...E assim ultrapassar a maior ignorância e rejeição de uma "essência feminina", como em tempos ouvi a deputada comunista, Odete Santos, fazer gáudio da sua exclusiva racionalidade negando toda e qualquer sensibilidade especial à mulher de forma absolutamente primária e coerentemente marxista:

nem deus nem mulheres ao cimo da terra...só Homens, todos iguais!

E é esse poder do masculino, inclusive nas mulheres e defendida por elas que originou o “machismo” no seu domínio exclusivo do mundo e que trouxe as guerras e a violência, o caos e a destruição paulatina da natureza . Digo-vos mesmo: e a seca...a desordem do mundo, o aquecimento global, vem do desprezo do valor do feminino e o abandono do sagrado na mulher e da natureza mãe...

“onde o sol brilha sempre, há um deserto”.
As florestas secam, os rios secam, o solo estala. A terra morre.”

M. Starbird

A perda de identidade ou o desvio da verdadeira natureza da mulher e a sua divisão ou fragmentação em “santa” (virgem mãe) ou a prostituta (Maria Madalena), pela Igreja e por exclusão do Feminino Sagrado, fez da mulher um mero objecto ou instrumento ao serviço exclusivo da família e da sociedade, sem autonomia pessoal nem consciênia individual, uma vez que continua a obedecer e a servir os conceitos sobre ela estipulados há muito poder pelo patriarcal. Mesmo na política e sobretudo na política é clara e notória a não identificação com a sua natureza profunda e a recusa da sua sensibilidade caracterizada por uma inteligência mais emocional do que a racional, ao contrário justamente do homem. Os problemas das mulheres são hoje olhados e debatidos como apenas de ordem de trabalho, de procriação e de sexualidade, entre a despenalização do aborto ou as creches ou reformas sociais para a mulher (a mãe ou a puta?) sem qualquer consciência dos problemas de base que as aflige, enquanto ser humano que sente e pensa independentemente das suas funções, tal como um homem é olhado, para lá da sua sexualidade e da sua função de procriadora/o ou como utente/vítima da prostituição e as suas sequelas.

r.l.p.

* Esther Harding – Os Mistérios da Mulher

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