O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, agosto 22, 2004

"UM CONTO DE FADAS DIFERENTE"


"Achou-a linda e deu-lhe um beijo.
Ela acordou e sua vida começou a ser contada sob um novo ponto de vista.
O cotidiano imutável nos envenena. É preciso um beijo para despertar para a vida.
O verdadeiro príncipe é aquele que nos acorda e nos faz mudar o rumo da nossa história."

10 de Fevereiro de 2003
Martha Medeiros (excerto de artigo)

Não, este ainda não é um conto de fadas diferente! Mas uma versão “amelhorada” do conto de fadas ou do “conto do vigário” para não lhe chamar a “canção do bandido” que as mulheres sempre leram e adoraram e ainda compram nas “Olás” e nas “Marias”.
Toda a vida nos foi contada a história invertida do Príncipe que havia de chegar e com um beijo acordar-nos para um amor eterno. Mentira, o príncipe veio e amarrou-nos ao seu castelo. Como quem diz às suas possessões. A história foi deturpada de propósito ao longo dos séculos e faz parte de uma outra história que era iniciação e sagrada, que é interior e íntima e se refere à integração dos dois lados do ser, feminino e masculino, os dois lados de cada pessoa e que cada sexo representa exteriormente.
Fernando Pessoa conta-a desse lado do ser uno, do lado esotérico e não essa treta romântica do patriarcalismo de que é o homem que vem salvar a mulher, “bela adormecida” e acordá-la para a vida, com umas “quecas” subentendidas no beijo. Romantismo de cordel e adulterado. Na verdade a história é bem outra e a bela da adormecida é a alma humana ou a anima, o lado feminino da humanidade que a mulher encarna por excelência e que foi suprimida da história, ocultado pela Igreja dogmática e misógina e ignorado pela cultura patriarcal, como que banindo a mulher da história e das religiões, e psicologicamente recalcado tanto no homem como na mulher.
Na Alquimia, ou na psicologia yunguiana a consumação da Obra (ou a realização do ser) faz-se na união dos polos opostos complementares dentro do próprio indivíduo e não apenas no “rito de passagem” que o evoca e é a relação sexual dos dois géneros, simbolizado no casamento. A atracção dos sexos é a busca de complementaridade dos dois em um, e não é restrita a sexos opostos, mas a energias complementares que tanto se podem expressar entre mulher-mulher como homem-homem. O chamado amor não é mais do que essa força motriz inicial que procura a consumação dos dois em um independentemente do género...
É pois e antes do mais a Anima que deve despertar em si mesma na mulher e no homem e ainda no caso do Amor, como iniciação, é a Mulher que acorda a alma no homem e não o contrário, como nos foi contado, ao ponto de se afirmar que a mulher não tinha alma...O que não quer dizer que um homem não possa ter uma anima mais forte à partida ou uma mulher um animus predominante. Seja de que maneira for o mito é quase sempre pervertido e a mulher continua a enganar-se a si mesma e a diminuir-se, assim como às outras mulheres, na expectativa de que seja o homem o príncipe que a venha despertar quando é ela verdadeiramente que tem de acordar em si e no seu potencial mediador e mediúnico de mulher sábia, e como sacerdotisa ou iniciadora, revelar ao homem esse mistério da alma e do ser, tal como o traz dentro dela e o dá à luz ao nascer .

Diferentemente do homem, que pode sofrer alguma fragmentação da personalidade, em termos psicológicos, a mulher é fragmentada ao nível do seu ser essencial quando é dividida – para o domínio patriarcal se exercer – em duas mulheres (a santa e a puta) sofrendo uma cisão interna desde criança, anulada enquanto indivíduo, dirigida que é exclusivamente para a reprodução e serviço do macho (começa por ser obediente ao pai e a servir os irmãos e depois naturalmente, já bem amestrada, ao marido ou aos chefes!) ou então se não se submeter às suas leis, condenada a prostituta nos diferentes ramos a que poderá ter acesso, hoje em dia os mais variados, mas nunca com a “dignidade” que o casamento lhe confere nas sociedades falocráticas.

Independentemente de todos os movimentos feministas, as mulheres não conseguiram reestruturar o seu Ser e integrar todas as suas faces (de Eva, submissa) porque há uma (a Lilith, a renegada e diabólica) que sempre lhe falta, pois a sua opção nunca poderá ir além de santa (mãe de família e esposa) ou p... quer seja livre, independente, escritora ou política...Era assim que era vista pelos homens há ainda 50 anos e foi assim que continuou a ser considerada ainda que inconscientemente e apesar das aparentes mudanças (revoluções sociais e políticas que nada mudaram). E nada mudou efectivamente nesse sentido – apesar das leis e dos discursos das próprias mulheres (de)formadas nas suas universidades que apenas pensam (como eles) a sua “liberdade” em discursos sem se enxergarem a si mesmas ao nível da sua dualidade e identidade profunda - enquanto que o conceito base se mantém o mesmo na sociedade e no “inconsciente colectivo” e por isso as mulheres sofrem em excesso os distúrbios de um disfuncionalismo interior – na dicotomia da santa e da puta, estigma ancestral que as divide em duas - com consequências patológicas graves, por estarem sempre em conflito com o seu ser profundo e verdadeiro (LUTA ENTRE O INTERIOR E O EXTERIOR, ENTRE O SER E O PARECER...)que fazem por ignorar atirando-o como sua sombra ou seja para a mulher “inimiga” que é sempre a “outra”, uma ameaça constante no trabalho e no lar...em competição brutal com a colega a rival ou a filha e a lutar contra si próprias, inconscientes do seu processo, alienadas que foram do seu potencial inato e liberdade de expressão do seu ser verdadeiro e total, condenadas a histéricas se o ousarem.

Assim as mulheres que atingem qualquer forma de poder ficam submissas e fiéis ao domínio patriarcal seja em que sistema forem inseridas. Mas sempre alienadas da sua essência primeira. Sempre divididas em si mesmas.

Só o acordar em si mesma nessa consciência tridimensional do seu ser – quando une a sua natureza sensual maternal e intuitiva e a afirma sem medos - poderá a mulher ser realmente ela própria e livre e assim poder dar ao homem a dimensão do seu ser sagrado através do seu poder de amante, deusa, e sábia e mudar a face deste mundo de ódio e guerra, em que impera o princípio masculino.
Quando os dois forem um dentro e fora...
Quando a Humanidade tiver consciência do seu ser integral!
Quando o corpo a alma e o espírito forem unos em cada um de nós, só assim seremos livres, justos e pacíficos. Não antes.


R.L.P.

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